domingo, 4 de abril de 2010

Caderno de Reportagens - Junho de 2000

Um pouco sem saber por onde começar a mostrar os trabalhos que fiz, resolvi resgatar algumas coisas que fiz ainda na faculdade. A primeira delas é o 'Caderno de Reportagens', publicação do Curso de Comunicação Social da UFMG, com matérias dos alunos do sétimo período da disciplina 'Redação em Jornalismo II'.

Nessa época, eu ainda assinava como Luciana Rodrigues, que é meu sobrenome por parte de mãe. Minha reportagem foi sobre o Centro Educacional do Horto, abrigo estadual para crianças e adolescentes em risco pessoal e social.

Depósito ou lar?
O maior abrigo para crianças e adolescentes de Minas não é mais Febem

Rua São Jerônimo, 1271, Horto. Procurava pela Febem e tanto o auxílio à lista, quanto os moradores da região indicaram-me aquele local. Mas a Fundação do Bem Estar do Menor foi extinta em 1995. A mudança ocorreu devido ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), criado em 1990, que exigia uma alteração no tratamento dos assim chamados menores.

O que existe neste endereço é o Centro Educacional do Horto (CEH), abrigo estadual para crianças e adolescentes em situação de risco pessoal e social. Lá ficam internadas meninas de 0 a 18 anos e meninos de 0 a 12, encaminhados por diversas autoridades públicas (SOS Criança, Conselhos Tutelares de Belo Horizonte, Juizado de Menores e Polícia Militar e Secretaria de Segurança Pública).

O Centro Educacional do Horto atende crianças e adolescentes em condições precárias.

A mudança é desconhecida ou ignorada por muitos, porque a função do CEH permaneceu quase inalterada desde que este deixou a ser fundação para fazer parte da Secretaria do Trabalho, Assistência Social, da Criança e do Adolescente (Setascad).

Ontem e hoje
Antes do Estatuto da Criança e do Adolescente, o abrigo vivia lotado. Se a polícia achava uma criança vagando pela rua, levava para lá; se uma mãe queria dar um castigo mais rigoroso ou simplesmente livrar-se de seu filho, levava para o Horto; crianças e adolescentes vítimas de violência, também iam para lá. "Todos os dias eram ônibus cheios que paravam aqui na porta para 'descarregar' ", lembra Bernadete Santos, diretora do SOS Criança, órgão estadual que funciona, atualmente, como apoio aos Conselhos Tutelares e mantém plantão 24 horas, todos os dias.

Hoje em dia, tirar uma criança ou adolescente da família é o último recurso usado pelos Conselhos para atender quem está em situação de risco, ou seja, quem mesmo morando com os pais, está vulnerável ou em perigo de vida, pois esses não se responsabilizam por seus direitos. Nestes casos, o juiz passa a guarda da criança, provisoriamente, para o Estado até que se resolva o problema, geralmente violência doméstica ou insuficiência de recursos para a criação dos filhos.

Atualmente, estão no CEH, além das crianças e adolescentes em situação de risco, ou que estavam pelas ruas (quando resolvem permanecer no abrigo), menores infratoras, pois o Centro de Internação Feminino ainda não foi inaugurado. Para a pedagoga do juvenil feminino, Paula Silva, esta mistura dificulta o trabalho porque "as meninas que cometeram atos infracionais acham que já não tem mais nada a perder e não aceitam o que propomos".

O Centro Educacional do Horto recebe crianças e adolescentes de todo estado, principalmente da região metropolitana de Belo Horizonte. Ele é dividido em 4 abrigos menores, de acordo com a faixa etária: creche (meninos e meninas de 0 a 7 anos), infantil feminino e masculino (são separados, de 7 a 12 anos) e juvenil feminino (de 12 a 18 anos incompletos). Além disso, a estrutura conta com lavanderia industrial, refeitório, centro médico, campo de futebol gramado, uma pequena quadra em cada abrigo e alguns parquinhos. O SOS Criança também funciona no local.

Apesar de tudo
A primeira visão das crianças que estão abrigadas, principalmente as bem pequenas, é marcante. "Elas já passaram e sofreram de tudo" comenta Doriane Leite, assistente social.

Os internos do Horto apresentam freqüentemente os mesmos tipos de problemas. Menores de 6 anos: desnutrição, desenvolvimento psicomotor aquém da idade, verminoses e doenças de pele. Maiores de 7 anos: desnutrição, verminose, piolhos e desvios comportamentais e de ordem psicológica.

Como acontece em qualquer entidade pública, as condições de funcionamento do CEH são precárias. Há várias portas e janelas quebradas, os móveis são velhos e as roupas e lençóis usados pelas crianças e adolescentes são desbotados devido à lavagem industrial. Os bêbes-conforto, espécie de cadeirinha de balanço usadas pelos bebês na creche, estão visivelmente gastos e não são em número suficiente. Valéria Corrêa, técnica da Superintendência da Criança e do Adolescente (SUCAD), área responsável na Setascad pela administração dos abrigos, comenta que "não adianta vontade sem recursos e a cada ano a verba diminui mais". A assessoria da comunicação do governo estadual esclarece que parte do dinheiro da secretaria vem da União e o repasse tem diminuído.


Valéria Corrêa: "Para resolver o problema dos abrigos é necessária mais vontade política"

Outro problema é a terceirização da mão-de-obra. Cerca de 30% do pessoal do CEH é da MGS, prestadora de serviços para o Estado, e parte destes profissionais não estão preparados para trabalhar com crianças e adolescentes em situação de risco.
Mas para a maioria dos abrigados, apesar das dificuldades, o abrigo às vezes é melhor que a própria casa. Na instituição eles recebem atendimento médico e psicológico, alimentação adequada, praticam esportes, freqüentam a escola e até trabalham (quando tem idade para isso). "O atendimento não é o esperado, pois o número de crianças e adolescentes ainda é muito grande e não há como acompanhar um por um, mas estamos melhorando" afirma Maria da Glória Rezende, diretora do Centro. "Estamos passando por reformas físicas e fazendo um mutirão pedagógico para conhecermos os internos".

Luz no fim do túnel?
A Setascad está implantando uma política de reestruturação do CEH. Desde março o número de encaminhamentos para o Horto diminuiu e estão sendo discutidas alternativas. Algumas já existem, como as casas-lares e as famílias acolhedoras, formas de abrigo que mantém o vínculo familiar, seja com a família natural ou com a substituta. A prefeitura de Belo Horizonte está estudando a criação de abrigos municipais, menores e capazes de manter as crianças e adolescentes próximas às suas famílias e à comunidade.

Mas, infelizmente o problema vai bem além disso. Enquanto a educação, a saúde, a moradia e a distribuição justa da renda não for uma prioridade no Brasil, a situação não vai mudar. Como afirma Valéria Corrêa "Estamos tratando o sintoma e não a causa".



Retranca 1
Um pouco de história

Até 1990, crianças e adolescentes recebiam o mesmo tratamento, fossem eles abandonados, ou vítimas de violência ou infratores. A Febem funcionava como abrigo, centro de internação e até orfanato. Para a legislação da época, o Código de Menores, não existiam direitos para quem tinha menos de 18 anos. No máximo, culpa. O atendimento aos menores era de responsabilidade do Estado e a Febem se tornou um depósito de crianças e adolescentes.

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) veio para mudar esta mentalidade. Ele estabelece que "A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e a dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis". A expressão menor, ou menor de idade, é apenas o termo jurídico para designar quem não pode ser punido pela lei devido a falta de idade, sendo incorreto para tratar daqueles que não são infratores.

Depois do ECA, o cuidado com as crianças e adolescentes passou a ser responsabilidade de todos, não só do governo ou da Febem. A criação dos Conselhos Estaduais e Municipais dos Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares, além de várias ONGs são um exemplo desta nova atitude.

Mas a Fundação de Bem Estar do Menor, era mantida com recursos dos fundos estadual e federal e tinha autonomia para administrá-los. Como parte da Setascad, é a secretaria que cuida das contas e como as verbas são escassas para a área, cerca de 3% do orçamento estadual, as condições de atendimento estão melhores, mas continuam precárias.

Retranca 2
Setascad vai reorganizar o CEH

Devido a um acordo entre a Secretaria do Trabalho, Assistência Social, da Criança e do Adolescente (Setascad) e os Conselhos Tutelares, desde março só estão sendo feitos encaminhamentos para o Centro Educacional do Horto quando não há outras opções.

De acordo com Maria Goreti Reis, que responde interinamente pela Diretoria de Defesa e proteção da Criança e do Adolescente, a Setascad deu prioridade este ano à questão dos abrigos. O Estado quer sair do atendimento direto e passar a gestor, como prevê o ECA, que coloca nas mãos do município a responsabilidade no atendimento às crianças e adolescentes.


Maria Goreti Reis coordena a reestruturação do CEH.

Goreti esclarece que a Setascad está reunindo os parceiros e fazendo diagnósticos para ver que resultados obteve até agora e fazer as mudanças necessárias. "Já estão acontecendo reuniões com todos os envolvidos no processo: Secretaria de Segurança Pública, Polícia Militar e Civil, Conselhos Tutelares, Prefeitura, Juizado de Menores e Setascad."

Na primeira reunião, foram apresentados dados preliminares e a Setascad acredita que a resposta foi positiva. "Dividimos os trabalhos entre comissões que tem até o dia 30 de maio para apresentarem as primeiras conclusões", explica Goreti.

Reduzindo o número de atendimentos, as verbas do CEH poderão ser melhor aplicadas e as crianças e adolescentes serão acompanhados individualmente. A Setascad informou também que estão sendo tomadas medidas para uma descentralização dos recursos do Centro, que viriam dos fundos municipal e estadual da Criança e do Adolescente.

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